Setecidades Titulo Quase cinco décadas
Livraria e restaurante resistem ao tempo e viram refúgio cultural

Ana Maria Balhe Hortega Lopes, 69 anos, e Adolfo Lopes Neto, 72, comandam a PsicoCultural, no Rudge Ramos, em São Bernardo, há quase 50 anos

Natasha Werneck
24/05/2025 | 22:38
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André Henriques/DGABC


 Em meio à correria do dia a dia, um casarão discreto na Rua Júlio Tomé, no Rudge Ramos, em São Bernardo, guarda uma das histórias mais encantadoras da cidade. A livraria e restaurante PsicoCultural ocupa o número 159 e atravessa décadas como ponto de resistência cultural e gastronômica. Fundada em 1977 por Ana Maria Balhe Hortega Lopes, 69, e Adolfo Lopes Neto, 72, a livraria deu origem, em 2011, ao restaurante que hoje divide o espaço e encanta paladares e leitores.

O casal, junto há 50 anos, construiu o sonho tijolo por tijolo, literalmente, com raízes no mercado editorial. O encontro entre ele e Ana foi também obra do destino editorial. “Eu trabalhava na Livraria Brasiliense, e ele na editora Difel (hoje Bertrand Brasil). Nos conhecemos na Câmara Brasileira do Livro. E foi assim que começou nossa história”, conta Ana.

O casal trocou os empregos formais por uma aposta ousada: abrir sua própria livraria. “Tudo que a gente conquistou tem a ver com literatura. O livro foi a nossa vida”, resume Adolfo.

A iniciativa começou dentro da Fecabc (Faculdade de Educação e Cultura de São Caetano), onde mantiveram um espaço por 25 anos. “Mas a Ana já previa que poderíamos perder aquele ponto. Foi ela quem veio procurar um novo lugar e achou essa casa aqui”, lembra Adolfo.<EM>“Comprei a casa em 1998. Fizemos a mudança e criamos uma livraria grande, com cinco andares. Chegamos a ter 22 funcionários”, aponta Ana.

O casarão abrigou, por muitos anos, todos os andares tomados por livros, eventos e visitações escolares. Crianças assistiam à contação de histórias e aprendiam como um livro era produzido — com direito até a vídeo do Ziraldo. “Era uma sala de aula. A Metodista inteira ou por aqui”, recorda Ana.

A livraria se manteve forte até o cenário do mercado editorial mudar drasticamente. Com a chegada de editoras vendendo diretamente para escolas e consumidores, o papel do livreiro foi sendo esvaziado. 

“O sistema educacional destruiu a cadeia do livro no Brasil. Acabou”, lamenta Adolfo. “Mas a livraria vai ficar. É o charme. Enquanto estivermos por aqui, ela existe.”

Para enfrentar as transformações do mercado, o casal investiu no restaurante. Foram três anos até que o novo negócio se consolidasse. “Sobreviveu porque ainda tínhamos fôlego da livraria. Mas hoje o restaurante se sustenta”, explica ele.

Ana cuida da livraria e da curadoria dos títulos, enquanto Adolfo comanda a cozinha e se emociona com os elogios dos clientes. “Você proporciona prazer. As pessoas querem te abraçar. É diferente do livro. É maravilhoso.”

A PsicoCultural é a materialização de um sonho a dois e um espaço onde literatura e gastronomia se abraçam e convidam o visitante a viver momentos únicos. “Você entra para escolher um livro, depois senta, toma um vinho, come bem. Isso é prazer”, resume Ana.

Estabelecimento oferece pratos preparados na hora e com afeto

Quando o movimento da livraria começou a cair, Ana Maria e Adolfo Lopes entenderam que precisavam mudar o rumo da PsicoCultural. Mas essa mudança nunca significou abrir mão dos princípios que sempre guiaram o casal: cuidado, cultura e acolhimento. Foi assim que a comida entrou em cena — com alma e propósito.

“O restaurante nasceu como uma necessidade. Mas desde o início, a gente pensou: tem que ser bom, tem que ter identidade”, conta Adolfo. “Não era só para fazer prato e vender. Era para continuar oferecendo uma experiência. E acho que conseguimos.”

Começaram pequenos, com refeições caseiras e cardápio enxuto. “No início, era a livraria que bancava o restaurante. Mas a gente insistiu. Fui atrás de cursos, comecei a cozinhar mesmo. Fizemos muitas adaptações”, lembra ele.

O sucesso não demorou a vir. O cardápio, que muda todos os dias, virou uma marca registrada do lugar. “Tem cliente que liga antes para saber o prato do dia. E quando gosta muito, volta no dia seguinte. Isso nos emociona”, diz Ana.

Ela também vê o restaurante como um espaço de troca. “É diferente de um restaurante comum. As pessoas sentam e acabam conversando. Falam dos livros, da vida, da comida. É um ambiente que acolhe.”

Adolfo resume com uma frase que virou lema: “A comida virou nosso livro. É com ela que a gente conta histórias hoje. Mas a essência continua a mesma.”

A cozinha da PsicoCultural funciona de segunda a sábado, das 10h às 17h. Os pratos mais pedidos são os risotos, sendo de camarão e shitake os mais requisitados pela clientela. “O pessoal ama”, destaca Ana.

Com o mesmo cuidado de quem escolhe um bom livro, o casal escolhe os ingredientes do dia, pensa nos temperos, monta o prato e serve com afeto. “Aqui, tudo é feito para fazer bem. No estômago e no coração”, diz Adolfo.




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