Dono de um currículo invejável, o secretário de Educação de São Bernardo, Júlio César da Costa, 58 anos, completou 100 dias no cargo com um pesado fardo imposto pelo Prefeito Marcelo Lima (Podemos): acabar com o analfabetismo no município ainda neste mandato. Esta não é a primeira vez que ele tem que enfrentar esse tema espinhoso. Em sua gestão como secretário de Educação em Sobral, no Ceará, não só reverteu o grave quadro de analfabetismo como fez o município ser premiado pelos altos índices de alfabetização de crianças. Dá para copiar? “Não”, rechaça o entrevistado. “São Bernardo deve trilhar um caminho próprio.”
Sua gestão na educação em Sobral, no Ceará, rendeu ao município índices notáveis de alfabetização no ensino fundamental. Qual a fórmula desse sucesso?
O que aconteceu no Ceará, em particular em Sobral, é que houve uma decisão política de focar no que a escola tem de mais sagrado, as aprendizagens curriculares. E dentro dessas aprendizagens tem uma que é fundamental, é um corte epistemológico, sem ela as outras aprendizagens ficam fragilizadas, e ela chama-se alfabetização. O que fizemos lá foi identificar como estava o processo de alfabetização nas escolas e o resultado foi gritante. Metade das crianças do 1º ao 9º ano não conseguia identificar sequer palavras. Sobre isso se construiu uma gama de ações que envolviam a própria prefeitura, a Secretaria de Educação e a comunidade escolar para formular novas estratégias.
O Sr. acredita que essa fórmula possa ser replicada com sucesso na região?
Não, não acredito. Acredito que São Bernardo tem uma construção própria muito mais potente do que os municípios que eu visitei. Não é uma repetição. São Bernardo está construindo algo que eu particularmente acredito que ao longo do tempo vai romper, inclusive de maneira qualitativa, com o que está sendo construído no resto do Brasil.
Em termos educacionais, o que significa um País onde 56,4% das crianças do 2º ano fundamental não estão alfabetizadas. Onde o sistema está falhando?
A primeira coisa é elogiar o País por esse indicador, ‘Criança Alfabetizada’. Ele coloca que o momento correto que tem que se dar a consolidação da alfabetização é em torno dos 7 anos. E isso está amparado em teorias, estudos, que afirmam que crianças que se alfabetizam aos 7 anos têm uma base de desenvolvimento mais perene para seguir os estudos com sucesso. A segunda questão é que essa média significa dizer que o Brasil está em uma situação muito complicada no processo de aprendizagem. De cada 10 alunos, cinco saem do segundo ano sem estar alfabetizadas, sem conseguir ler e compreender o que leram. A partir disso, eu faço outro elogio. Fazer gestão à vista, apresentando isso em nível de Brasil, merece aplausos. Por que não está se escondendo o problema, e podemos reverter esse processo. Todas as redes municipais e estaduais que trabalham com alfabetização precisam se debruçar sobre isso, conhecer suas redes e seus respectivos processo de alfabetização.
Falta dinheiro?É um problema de baixo investimento?
Não é só um problema de investimento, é ‘também’ de investimento. A alfabetização não é dada, é construída pelo ser humano, e a instituição responsável por essa construção chama-se escola. A alfabetização é criada dentro da escola. Então o ‘como fazer’ precisa ser discutido em cada município, e esse ‘como fazer’, sim, precisa de investimento. É a forma de fazer que vai determinar que tipos de investimentos precisam ser feitos, as duas coisas precisam caminhar juntas.
Causou espanto descobrir que São Bernardo, uma cidade desenvolvida e próxima da maior Capital do País, tenha um número de não alfabetização tão alto?
Não estranhei, porque esse fenômeno, do analfabetismo escolar, é histórico no Brasil. O que é o analfabetismo escolar? É exatamente você construir uma sociedade onde o bem maior, o conhecimento sistematizado, componentes curriculares, alfabetização, estão sendo negados para a maioria da população brasileira. Então, não me causou estranheza</CW><CW-12>. Se você pegar as regiões[DO PAÍS], esse fenômeno acontece em todas. Algumas começaram a reagir mais cedo, outras ainda estão começando. Eu fico muito feliz em estar em um município que já no início a gestão está muito atenta para isso, a gestão está dizendo ‘nós temos esse problema que todo Brasil tem, mas nós estamos começando construir com a sociedade uma escola onde a qualidade do ensino seja o principal’, porque isso impacta diretamente nas vidas dos jovens.
O Sr. trouxe para São Bernardo a Avaliação Diagnósti-ca e Formativa de Alfabetização. Qual foi a conclusão que chegou?
A primeira conclusão que tenho, que não é de hoje, nem é teórica, mas de leitura das evidências, é que o Brasil ainda sofre do fenômeno do analfabetismo escolar. A segunda é que o primeiro e segundo anos é o momento correto de se criar uma alfabetização que dê condições para que o aluno prossiga os estudos com possibilidade de ter sucesso. O percentual de não alfabetizados em São Bernardo é um desafio <CF51>(dados publicados pelo <CF53>Diário</CF> mostraram que 50,1% dos alunos que chegaram ao 3º ano do ensino fundamental na rede municipal não estão alfabetizados)</CF>, mas com essa rede, com o potencial, com os profissionais, com apoio da Secretaria e o apoio do prefeito, eu tenho certeza que nos vamos chegar ao fim de 2025, no segundo ano, com todos os alunos alfabetizados na etapa correta, segundo ano.
É possível retomar o que ficou para trás, o que os alunos não alfabetizados perderam?
É possível sim, com apoio, com estratégia, com formação, com trocas de experiências, aprendendo entre nós. Temos duas metas: alfabetizar até os 7 anos e alfabetizar do terceiro ao quinto. É uma política de alfabetização preventiva e uma política de alfabetização corretiva.
O Sr. tem os dados do quarto e quinto anos?
No terceiro ano, são 50% de alfabetizados, no quarto ano chega a 63% e no quinto, 78% sabem ler e escrever corretamente.
Qual a estratégia será adotada para corrigir esse problema?
Temos três metas bem definidas: alfabetização preventiva no primeiro e segundo ano e uma política de alfabetização corretiva para os estudantes do terceiro e quarto anos. A terceira meta é desenvolver a melhoria das proficiências em língua portuguesa, matemática e ciências entre os alfabetizados. A meta é alfabetizar esses alunos até o fim de 2025, mas em 2026 eles terão que recompor aprendizagens que não tiveram por não saberem ler e escrever. Dito isso, nossa estratégia foi criar um sistema de avaliação própria, que chamamos de avaliação formativa; a segunda é a formação com as redes, vamos inaugurar a Escola de Formação do Magistério, em São Bernardo, onde todos os professores terão formação teórica, troca de experiências baseadas nos diagnósticos que tivemos. Faremos também uma tutoria escolar, com profissionais da rede analisando resultados e desenvolvendo formas de apoiar a direção de cada escola. Temos ainda algumas surpresas que o prefeito Marcelo Lima vai anunciar em breve.
Quando o chamou para o cargo, o prefeito Marcelo Lima disse que São Bernardo seria “referência nacional”. É possível chegar a esse patamar na educação em apenas quatro anos?
Eu penso que é possível, eu acredito. Eu assino embaixo do que o Marcelo falou. Ser referência no Brasil é trabalhoso, é difícil, mas não é impossível, e o Marcelo é um prefeito que tem muita clareza desse modelo que está sendo construído pelas redes, pelos profissionais. É uma construção de São Bernardo. O prefeito também conhece bem o perfil dos profissionais da cidade, que estão muito acima da média do Brasil. Em quatro anos eu tenho certeza de duas coisas: nós vamos aniquilar o analfabetismo escolar e melhorar a proficiência de língua portuguesa e matemática.
Marcelo Lima falou que faria a quitação dos valores atrasados da progressão dos professores. Em que pé anda essa questão?
O prefeito já fez algumas gestões estruturais que são de apoio à rede, ele liberou a progressão da carreira dos professores, que estava parada havia algum tempo, e, além disso, prorrogou os concursos públicos, que também estavam paralisados, fez dois chamamentos de concurso público e constituiu esse processo que acabei de relatar. Diagnóstico, avaliação, escola de formação.
A gestão ada comprou milhares de Chrome Books, disseram que a previsão era entregar 8.800, entregaram pouco mais de 6.000. Foi uma compra equivocada?
Nós encontramos os Chrome Books, realmente estavam nos depósitos, estamos fazendo a distribuição deles. É um instrumento de apoio, é um instrumento importante, desde que seja bem utilizado, mas para isso não podem estar nos galpões, precisam estar nas escolas.
A Faculdade Municipal de São Bernardo vai ficar na sua Pasta?
Vai ficar na Educação, e vai ser mais um instrumento que vai gerar um impacto na educação pública do ensino de São Bernardo, onde nossos jovens poderão se entusiasmar e fazer uma faculdade para ter uma cidadania plena.
Falando em educação de forma geral, hoje existe uma nova modalidade, chamada de EaD (Ensino a Distância). O senhor acredita na eficiência deste formato?
Minha opinião é que o EaD, a IA (Inteligência Artificial) e todos os processos que a tecnologia nos permitir precisam ser bem utilizados, mas não deixam de ser instrumentais, não substituem os professores.
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