Fisioterapeuta teria utilizado documentos falsos para obter reembolsos; outro caso envolve casal em atendimentos à própria filha
Uma clínica de fisioterapia localizada em São Caetano é acusada de forjar atendimentos para obter reembolsos indevidos da operadora de saúde SulAmérica. O caso faz parte de uma investigação mais ampla conduzida pela empresa, que identificou ao menos duas fraudes distintas no município. Juntas, as irregularidades teriam causado prejuízo superior a R$ 500 mil.
Um dos investigados é o fisioterapeuta Pedro Luis Sampaio, que teria apresentado, entre julho de 2022 e janeiro de 2024, solicitações médicas forjadas em nome de terceiros. As receitas teriam sido usadas para simular atendimentos realizados em sua própria clínica. O prejuízo causado à operadora foi estimado em R$ 83.427,50.
A fraude teria sido descoberta após a equipe de auditoria da SulAmérica entrar em contato com o médico que supostamente havia assinado os documentos. Ele negou ter prescrito os tratamentos e confirmou que sua foi utilizada indevidamente.
O endereço vinculado ao CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) de Pedro Sampaio é o de um prédio no município do Grande ABC, onde são alugadas salas para atendimento profissional. Funcionários do local informaram ao Diário que, há pelo menos três anos, não há nenhuma clínica de fisioterapia em funcionamento no condomínio. Segundo relatos, o espaço já foi ocupado por profissionais da área da saúde, mas deixou de operar há bastante tempo.
A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) alerta que fraudes como a denunciada pela SulAmérica vêm crescendo em todo o País. Segundo a entidade, práticas como simulação de atendimentos, falsificação de documentos e pedidos de reembolso com base em consultas inexistentes causaram, entre 2019 e 2024, um prejuízo estimado em mais de R$ 12 bilhões ao setor de saúde suplementar. O impacto atinge diretamente os mais de 52 milhões de beneficiários dos planos, que acabam arcando com o aumento dos custos.
“O setor tem enfrentado impactos significativos decorrentes de diversas irregularidades, como empréstimos e falsificação de carteirinhas, emissão de recibos duplicados – o que equivale à simulação de múltiplas consultas com base em um único atendimento – e pedidos de reembolso por consultas ou exames inexistentes”, diz trecho da nota da associação.
EM CASA
Outro caso denunciado pela SulAmérica envolve o casal Grazielle Galhardo e André Luiz Ribeiro. De acordo com a seguradora, os dois teriam apresentado 525 pedidos de reembolso baseados em receitas médicas falsas para simular atendimentos fisiote-rapêuticos à filha. Os documentos indicavam que os procedimentos haviam sido prescritos por um ginecologista, que negou qualquer envolvimento com os casos. Segundo a empresa, os atendimentos ocorreram entre 2016 e 2024, todos destinados ao grupo familiar de Grazielle, e somaram prejuízo de R$ 417.773,51.
A reportagem também esteve no local que consta nos receituários utilizados. Trata-se de um endereço residencial. No edifício foi apurado que quem mora no apartamento é a mãe de André, e que o fisioterapeuta não reside no local.
De acordo com documentos do processo aos quais o Diário teve o, Grazielle declarou à SulAmérica que “ou em consulta com o referido médico”, e que teria enviado os pedidos porque “já os tinha prontos” e por “comodidade”. Ela afirmou que os pedidos foram feitos pelo médico, mas que, “por uma coisa besta”, continuou usando o mesmo pedido. itiu ainda que os receituários foram preenchidos e datados por ela mesma, e que o médico “somente carimbou”.
O médico, ouvido pela seguradora, confirmou que conhece Grazielle por ela ter atuado como fisioterapeuta na clínica onde ele trabalha há cerca de três ou quatro anos. Segundo ele, é possível que a ex-funcionária tenha levado, sem autorização, um bloco de receituários ao deixar o cargo.
Pedro Luis Sampaio não foi localizado pelo Diário para comentar o caso. Já a mãe de André Ribeiro se negou a fornecer o contato do filho.
Maior rigor de operadoras expõe fraudes, diz advogado
Casos de reembolso indevido com uso de receitas falsas – como os investigados em São Caetano – se enquadram juridicamente como estelionato, crime previsto no artigo 171º do Código Penal. A explicação é do advogado Ricardo Yamin. “Como a falsificação é usada como meio para obter a vantagem econômica, o crime principal é o estelionato, que é mais grave e absorve os demais”, afirma.
Yamin também destaca que, embora a responsabilidade penal seja individual, a clínica pode ser responsabilizada civilmente pelos atos de seus funcionários. “A operadora pode buscar ressarcimento direto da clínica, mesmo que ela não tenha participado da fraude. A responsabilidade é objetiva”, explica.
Segundo o advogado, fraudes são comuns na saúde suplementar. O que mudou, afirma, foi a postura das operadoras. “Agora, elas estão atuando com muito mais força contra os fraudadores. Por isso, os casos estão ganhando mais visibilidade. Nos últimos dois anos, essa tem sido uma das principais frentes de atuação das empresas do setor”, conclui.
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